Eu era adolescente quando, em visita ao Chile, caiu-me nas mãos um belo volume das obras de Edgar Allan Poe em espanhol. Fiquei absorto pela leitura a ponto de mal perceber um tremor de terra que apavorou toda Santiago. Essa minha iniciação teve uma vantagem adicional: como eu nada sabia das histórias do mago do terror, experimentei a mais espantosa e gratificante surpresa ao concluir “Os assassinatos da rua Morgue”; a maioria já sabe quem era, ou o que era, o assassino desse conto com que o poeta Poe criou o gênero policial na literatura.
Os melhores autores (exceto dramaturgos, como Shakespeare) são sofrivelmente adaptados para o cinema. Nunca vi um filme bom baseado em textos de Poe. Aqueles protagonizados por Vincent Price são mais divertidos que assustadores. Eis que me surge então um filme baseado não em Poe, mas que tem Poe como protagonista. A trama é originalíssima: um serial killer comete assassinatos inspirados nas histórias tétricas do autor de “O corvo”. Infelizmente, porém, O corvo(2012) é péssimo, tremendo desperdício de uma ótima ideia. Não ficamos impressionados e nem surpreendidos pela identidade do homicida, que poderia ser qualquer pessoa. O atlético John Cusack não convence como o franzino e atormentado Edgar, que aliás nunca usou cavanhaque.
Bem mais intrigante é o mistério de como dois roteiristas medíocres — Ben Livingston, atorzinho de quinta que nunca escreveu nada antes, e uma autora de episódios do cretino Ghost Whisperer com o nome obviamente adotado de Hannah Shakespeare — podem ter concebido uma ideia tão boa, embora pessimamente aproveitada. A solução desse mistério, ao contrário do da rua Morgue, eu sabia de antemão: eles não conceberam coisa alguma. O autor da ideia sensacional foi o norueguês Nikolaj Frobenius, em seu romance Jeg skal vise dere frykten [Vou lhe mostrar o medo], de 2008. Hollywood faz essas coisas: paga a um autor para usar a obra dele e paga o dobro para que ele abra mão dos seus créditos no filme vindouro. Foi assim, parece, com o Simba de O rei leão, plágio descarado do desenho animado japonês cujo protagonista se chama… Kimba. Dar-se-á o mesmo com Frobenius? Do contrário, como explicar que não esteja todo dia bebendo aquavit com seus advogados?
Frobenius não foi apenas plagiado: foi mal plagiado. No seu livro sabemos desde o início quem é o criminoso e entendemos, tanto quanto possível, as motivações psicóticas dele. Edgar também sabe quem é, por isso mesmo nada pode fazer para impedir-lhe os macabros assassinatos. Trata-se de um romance psicológico que mescla realidade e ficção com notável competência, procurando explicar fatos inexplicáveis da vida de Poe à luz (ou às trevas) desse elemento fictício do homicida empenhado em tornar realidade a imaginação do homem que Jorge Luis Borges descreveu como “sublime criador de pesadelos”.
A boa notícia é que esse livro formidável será lançado nos Estados Unidos, revelando o plágio descarado aos norte-americanos, e, dentro de alguns meses, aqui no Brasil, pela Geração Editorial.