Querido diário…

Entrevista que dei à Geração Editorial (ver aqui) por ocasião do lançamento do Diário do Diabo, de Nicholas D. Satan (o próprio), traduzido por mim.

Você teve que vender sua alma ao Diabo para poder traduzir a obra dele?

Claro que sim. Assinei com sangue aquele mesmo contrato que vem anexo ao Diário. Por enquanto, não recebi nada em troca (exceto o privilégio de traduzir o Diário), mas ainda tenho esperança de que Mr. Satan vai honrar os termos do contrato e entregar a minha quota ilimitada de riqueza, fama, poder e mulheres. Afinal, num país que acreditou nas promessas do Collor e do Lula a ponto de elegê-los presidentes, não é nem um pouco absurdo acreditar que o Diabo vai cumprir as dele.

Como este manuscrito recebido pela primeira vez pelo professor americano M. J. Weeks chegou até você?

Lógico que na era da globalização o Capeta também fala e escreve em inglês, por isso o professor Weeks, que publicou o Diário nos EUA, precisou de tradutores nos vários outros países onde o livro está sendo publicado. Existem no Brasil inúmeros tradutores melhores que eu, mas no final Mr. Satan escolheu a mim porque, como eu escrevi um livro sobre Jack, o Estripador, ele acreditou que eu também fosse um maníaco homicida, ou seja, alguém próximo ao coração dele.

É uma artimanha do Demo o fim do mundo como consta no livroO mistério de 2012?

Destruir o mundo, como o próprio Satan explica no seu Diário, não é o tipo de coisa que ele faz, e sim coisa de “Deusão”, ou “Todo-Foderoso”, entre outros apelidos irreverentes com que ele se refere a Deus, o seu ex-chefe. Satan admite que aprecia uma “carnificina básica”, mas que quando passa disso, é ruim para os negócios dele, mais especificamente para a Satancorp, sua empresa, segunda mais antiga do Universo depois da de Deus. Eis o que ele diz após o Dilúvio: “O dano causado pela inundação interrompeu gravemente as atividades no mundo subterrâneo, e ainda não saímos do atoleiro. Ficamos sem comunicação, justo quando precisamos mais dela, pois o Dilúvio resultou num influxo enorme de almas perdidas, e transportá-las para cá tem sido um problema. Todas as minhas boas intenções vão ter de esperar, pois nossa prioridade agora é asfaltar de novo a estrada para o Inferno”.

Portanto, acho mais provável que Mr. Satan tenha tomado conhecimento, por meio dos seus espiões, de que “Deusão” vai destruir o mundo de novo em 2012 e está espalhando a notícia, na esperança de que as ações da Satancorp subam, já que a maior parte da humanidade vai para lá como mão-de-obra escrava.

Você também traduziu o livro Papisa Joana, da Donna W. Cross, que em breve estará nas telas dos cinemas brasileiros. A Papisa também foi uma funcionária do Satanás?

Foi sim, mas ela foi também uma decepção para ele. Como ele diz no ano 590: “Achar um meio de me inserir na Igreja foi mais fácil do que pensei. A ridícula regra de celibato nos monastérios e conventos (nem eu teria tido uma ideia tão cruel) deixou a porta escancarada para a tentação. É de admirar a quantidade de monges e freiras que se inscreveram para ter a chance de uma ou duas relações pecaminosas”. Para ridicularizar de vez a Casa de Deus, Satan fez com que Joana, disfarçada de homem, fosse eleita papa. Mas daí ela quebrou o acordo e começou a ser um bom papa. Foi então que Mr. Satan usou com ela o mesmo artifício que já tinha usado no Jardim do Éden com Adão e Eva (no apontamento do dia 1º do sexto mês do ano um); o resultado foi que a Papisa ficou grávida.

Mas, graças aos fundamentalistas, a religião continua sendo uma das principais ferramentas do Diabo, como ele mesmo diz na pág. 153 do Diário: “Deusão está quebrando a cabeça nas altitudes celestiais para descobrir onde foi que tudo deu errado, enquanto seus leais servidores fazem o meu trabalho por mim. Eu gostaria de ter tido a ideia da religião”.

Qual revelação feita no Diário do Diabo que mais chocou você?

A revelação que mais me chocou foi a que ele fez sobre o Jack, o Estripador, no apontamento datado de 10 de novembro de 1888. Não só ele conta que esse assassino era um agente dele, como também revela a sua verdadeira identidade. Ora, no livro Jack, o Estripador – a verdadeira história, 120 anos depois, eu apontei esse suspeito como um dos menos prováveis, de modo que agora fiquei completamente desmoralizado.

Nicholas também revela no seu diário a aproximação e ajuda que deu à carreira de Bill Gates. Em troca do sucesso – nos seus contratos maquiavélicos – Bill vendeu a alma ao Diabo e deixou que dois funcionários do Satanás implantassem os bugs e os erros nos softwares. Como será que os profissionais da área de TI reagirão diante desta revelação?

Acho que todos eles vão mandar seus currículos para a Satancorp, mas vão se decepcionar, pois a empresa só está dando emprego a hackers. No anúncio que Nicholas D. Satan publicou na Gazeta Celestial para recrutar anjos caídos, está escrito: “Histórico empregatício ruim e ficha criminal são recomendáveis, mas experiência anterior nenhuma é necessária”.

Parece que Satanás gosta do nome “em vão” e de mídia – as páginas policiais, as mais lidas dos jornais, são todas de feitorias dele. Sendo assim, ele deve estar muito feliz com a publicação e o grande sucesso do Honoráveis Bandidos – Um retrato do Brasil na era Sarney, com revelações diabólicas sobre a família que se enriqueceu a custo de muita corrupção?

A família Sarney tem vários contratos com a Satancorp (por exemplo a Lunus, empresa da Roseanta Sarney e do marido dela, é uma das subsidiárias da Satancorp no Brasil, juntamente com a extinta Sudam, a Igreja Universal do Reino de Deus, e inúmeras outras). Foi graças à ajuda de Mr. Satan que o Sarney conseguiu transformar o Maranhão num quintal dele e boa parte do Brasil num feudo seu e da sua família. Mas o problema do corrupto no país da impunidade é o mesmo do bêbado que toma conta do bar: não consegue parar. O Sarney ficou tão deslumbrado que começou a fazer conchavos, cambalachos e negociatas sujas, do tipo que ele fez a vida toda, a fim de subornar tantos acionistas da Satancorp quantos fossem necessários para elegê-lo o novo CEO do grupo, que passaria a se chamar Sarneycorp. A cartada final para conseguir isso seria a eleição da filha dele, Roseanta Sarney, à Presidência da República em 2002. É claro que o Satan não gostou nem um pouco, e resolveu dar uma lição no seu arrogante sócio minoritário, soprando no ouvido do José Serra o esquema fraudulento da Lunus. O resto todo mundo sabe, e está no livro do Palmério: a Polícia Federal apareceu lá, descobriu aquela dinheirama toda, e o sonho da Roseanta presidente do Brasil foi para o ralo. Mas o Sarney já fez as pazes com seu benfeitor, que mexeu os pauzinhos para evitar que fosse afastado da Presidência do Senado. São, no fundo, como irmãos.

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