A beleza da Destruição

O filme V de Vingança, de 2005, é um filme diferente dos outros, e como Hollywood raramente muda, essa característica por si só o torna polêmico. Subversivo, na mais ampla acepção da palavra: perplexidade ainda maior, em se tratando da politicamente conservadora Hollywood.

Os produtores são os mesmos da trilogia Matrix, em que os elementos da subversão e da transgressão estão bem presentes. Mas essa trilogia, apesar da ótima história, edifica-se mais sobre efeitos especiais espetaculares, tornando-se um inofensivo e caseiro cinema espetáculo com estética de videogame. V de Vingança tem efeitos também, mas muito menos, e corajosamente apóia-se na consistência da sua mensagem. E sua mensagem de mobilização contra o totalitarismo não poderia ser mais pertinente hoje, em que assistimos com certa inquietação à guinada que o mundo está dando para a extrema direita.

A história, basicamente, é a de um mascarado que, numa Inglaterra totalitarista do futuro, quer explodir o tirânico Parlamento. V incomoda, logo de cara, por confundir o maniqueísmo ao qual os filmes norte-americanos nos acostumaram. Embora se pareça a uma mistura de Zorro e Fantasma da Ópera, o mascarado V procura evocar a figura do subversivo católico Guy Fawkes, que em 1605 tentou sem sucesso explodir o Parlamento britânico, em represália à opressão deste contra os católicos.

Ora, o Parlamento britânico não é atualmente um símbolo de tirania, e a maior parte de nós gostaria de visitá-lo ao invés de destruí-lo. No entanto, a Alemanha tampouco era totalitária pouco antes da ascensão nazista, e a conivência do premiê Blair na criminosa e ilegal invasão do Iraque de 2003 (contra a vontade do povo britânico que o elegeu) demonstra que a Inglaterra, com uma monarquia decadente e um povo deploravelmente burguês, cuja maior diversão é ler tablóides sensacionalistas, não está suficientemente protegida contra governos ditatoriais.

Curiosamente, o filme, que condena o ódio às diferenças (o homossexual Stephen Fry faz o único papel que sabe, o de “veado cool”), foi atacado por ser diferente. Críticos tacanhos e imbecis rotularam-no de apologia ao terrorismo e coisas do tipo, como se ele endossasse atos semelhantes ao do 11 de setembro. Por outro lado, o filme parece aludir a esse atentado de forma mais sutil: um desastre biológico, que dizima boa parte da população britânica, é atribuído pelo governo ultraconservador a minorias dissidentes, quando na verdade foi encomendado pela própria chancelaria do premiê. É impossível não enxergar aí a teoria, assaz plausível, de que o atentado às Torres Gêmeas em Nova York foi “encomendada” pelo governo neofascista de George W. Bush, cuja família, aliás, possui estreitos laços com a de Osama Bin Laden.

O canastrão Hugo Weaving, que interpreta o chato agente Smith na trilogiaMatrix, encontra em V o seu melhor papel, pela simples razão de que não podemos ver-lhe as caretas. O rosto deformado do personagem nunca é revelado, pois, como sua aprendiz sentencia no final, “V é você, sou eu, somos todos nós”. Essa aprendiz é interpretada com a usual competência pela gostosinha Natalie Portman, embora, como toda atriz norte-americana, ela seja incapaz de imitar o sotaque britânico de forma satisfatória.

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